O que significa o rebaixamento dos títulos americanos?

10
4538
Rating: A

O governo dos EUA passa por uma situação peculiar: o presidente eleito não tem o apoio da maioria no Congresso. E assim, como já é de praxe aqui no Brasil, sabemos que governar se torna uma arte ainda mais complexa, praticamente um jogo de troca de favores.

Tentando de tudo para incentivar sua economia, o governo dos EUA estava sendo tolerante com o aumento da sua dívida pública. O teto de USD 14,3 trilhões, no entanto, seria atingido no dia 02/08/2011 e o Congresso precisava aprovar um aumento para evitar que o governo americano deixasse de honrar algum compromisso.

Num sistema democrático, esbarrar num limite desses dá muito poder de negociação para a oposição, que não deixou barato e aproveitou para fazer suas reivindicações. Aos 45 minutos do segundo tempo (dia 01/08/2011), Democratas (base aliada de Obama) e Republicanos (oposição) chegaram a um acordo: elevaram o teto da dívida e acordaram programar cortes no orçamento americano para os próximos 10 anos. Resolvido? Não necessariamente.

O que você faria se fosse um credor dos EUA e estivesse assistindo a essa situação? Deixaram a decisão de pagar ou não para última hora, nas mãos de políticos que estavam disputando o poder. Mesmo sendo a maior economia do planeta, você não gostaria de se sujeitar a ter seu pagamento atrasado, certo? O tal do calote (default), que a mídia alardeava era isso. Apesar de não ser um cenário ideal, estava longe de ser um problema grave como o calote da Argentina em 2002, que realmente não tinha capacidade de pagamento. As agências de classificação de risco fazem justamente isso: avaliam a capacidade de pagamento de governos e empresas e dão notas (rating) para a qualidade das suas dívidas. Entre as mais tradicionais, estão a Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch Ratings.

Em 05/08/2011, a S&P anunciou em que rebaixou o rating (downgrade) dos títulos americanos em 1 degrau, ou seja, de AAA para AA+. Em números, seria algo como ir de 10,0 para 9,5. Abaixo está um resumo dos ratings utilizados pela S&P:

  • AAA: Capacidade extremamente forte para honrar compromissos financeiros. Rating mais alto
  • AA: Capacidade muito forte para honrar compromissos financeiros
  • A: Forte capacidade para honrar compromissos financeiros, porém é de alguma forma suscetível a condições econômicas adversas e a mudanças circunstanciais
  • BBB: Capacidade adequada para honrar compromissos financeiros, porém mais sujeito a condições econômicas adversas
  • BBB-: Considerado o nível mais baixo da categoria de grau de investimento pelos participantes do mercado
  • BB+: Considerado o nível mais alto da categoria de grau especulativo pelos participantes do mercado
  • BB: Menos vulnerável no curto prazo, porém enfrenta atualmente grande suscetibilidade a condições adversas de negócios, financeiras e econômicas
  • B: Mais vulnerável a condições adversas de negócios, financeiras e econômicas, porém atualmente apresenta capacidade para honrar compromissos financeiros
  • CCC: Atualmente vulnerável e dependente de condições favoráveis de negócios, financeiras e econômicas para honrar seus compromissos financeiros
  • CC: Atualmente fortemente vulnerável
  • C: Um pedido de falência foi registrado ou ação similar impetrada, porém os pagamentos das obrigações financeiras continuam sendo realizados
  • D: Inadimplente em seus compromissos financeiros

Nota: Ratings de AA a CCC podem ser modificados mediante a adição de um sinal de mais (+) ou de (-) para demonstrar sua posição relativa dentro de uma categoria mais ampla de ratings.

Você pode imaginar o que aconteceu na 2.a feira: os títulos americanos despencaram com a reação de medo dos investidores, certo? Errado! Apesar de serem rebaixados, os títulos de 10 anos valorizaram mais de 1% em um único dia (lembre-se que a taxa de juros nos EUA está definida entre 0 e 0,25% ao ano, ou seja, um movimento muito expressivo)! Foi uma das valorizações mais acentuadas da história em um único dia.

A realidade é que nada mudou. Os EUA não estão menos seguros ou com menor capacidade de pagamento, mas rebaixar o que era considerado até então como a referência de menor risco possível causa um desconforto aos investidores de maneira geral. Com isso, aumenta o sentimento de aversão a risco e os investidores buscam aplicações que já conhecem e a encaram como mais seguras. Mesmo com o rebaixamento, os investidores preferem a segurança de ter o governo dos EUA como devedor, até porque ele é o único que pode imprimir dólares, num caso extremo.

E o Brasil? Hoje o rating do Brasil é BBB-, ou seja, o primeiro nível da escala de grau de investimento (investment grade). Se fôssemos converter isso em nota, seria o equivalente a um 7,0: passa de ano em qualquer escola. Lembre-se que valores abaixo deste nível não são necessariamente desinteressantes ao investidor, e depende do objetivo do investidor. Quanto mais risco, maior o retorno exigido pelo investidor.

Ulisses Nehmi é editor do Blog do Investidor e profissional da área de investimentos.

LEAVE A REPLY

10 COMMENTS

  1. Gostaria de saber se, face ao exposto no artigo de ULISSES, no qual refere que o dólar por ser impresso pelos EUA providenciará sempre segurança mesmo sendo um país devedor, é bom uma pessoa conservar dólares em seu poder? Calculo que esta moeda será sempre bem aceite em qualuqer parte do mundo?

  2. Segundo o texto de ULISSES, os EUA são o único País que ofereçe segurança como devedor, por ser também o único que pode imprimir dólares num caso extremo. Pergunto: É aconselhável uma pessoa ter dólares porque esta moeda será sempre bem aceite em qualquer parte do mundo, ou estarei errada?

    • Maria Sousa,
      Entendo que vc não é brasileira (e-mail de Portugal). Vamos lá, por partes:
      – No caso do Dólar, só o governo americano pode imprimir dólares.
      – Quase todos os países tem dívidas, assim como quase todas as empresas. Isso não é ruim, nem significa que um país ou empresa não estejam financeiramente saudáveis. Talvez o nome ‘devedor’ tenha uma conotação inadequada. O problema é quando as dívidas são muito grandes (no caso de países, comparamos com o tamanho do seu PIB), e continuam crescendo a taxas muito elevadas, sem perspectiva de reverter essa situação.
      – Quanto a ter Dólares (ou qualquer outra moeda) em seu poder, não se esqueça que com isso vc está perdendo poder de compra.
      – E finalmente, ter Dólares porque sempre será bem aceito em qualquer lugar do mundo: essa é a pergunta mais complicada e merece um post inteiro. Em suma, se vc tiver um objetivo bem definido do que espera do futuro ou o que quer fazer com o dinheiro, terá a resposta para a sua pergunta. Em geral as pessoas procuram acumular recursos na moeda que pretendem gastar o dinheiro, e eventualmente investem em outras moedas apenas uma parte dos recursos como uma diversificação de riscos.
      Espero que tenha ajudado!
      Abs

  3. Algo que eu gostaria de entender melhor é justamente essa questão do risco, no investimento em CDBs, títulos públicos, debêntures.
    Diz-se que os títulos do governo são o de menor risco de você não receber o montante acordado.
    A dúvida é: se os cidadãos e/ou empresas tomam empréstimos, e não honram com o seu pagamento, são acionados e podem perder bens, ou seja de uma maneira ou de outra, serão obrigados a pagarem. Quando se fala no outro sentido, do investidor emprestando dinheiro, fica a impressão, pelo menos para mim, de que se o banco, o governo ou a empresa a quem eu emprestei dinheiro, resolver não me pagar, não haverá nada que eu possa fazer, afinal era o risco que eu estava correndo …
    É assim mesmo? Espero que não …
    Obrigado, e parabéns pelos artigos, todos que li até agora foram muito bons!

    • Rafael,
      Mais ou menos… Se alguém não paga, o credor normalmente vai atrás pra reaver qualquer quantia possível. Logicamente, existem custos envolvidos, e eventualmente você não consegue tudo que queria de volta.
      Além disso, nesses primeiro caso, típico de “emprestadores profissionais” (ex.: bancos), eles já tomam precauções de antemão (garantia, fiador, avalista, limite de crédito, etc), tem equipes de recuperação de crédito, know-how, etc. E mesmo assim não é tão simples…
      Com o investidor, não deixa de ser parecido, com o detalhe que nesses operações mais padronizadas o investidor exige menos garantias (quando você faz um CDB, você pede pro banco um imóvel de 2 vezes o valor em garantia ou simplesmente fala ‘aplica aí pra mim’?), e eventualmente o custo/esforço pra reaver o que você tem direito pode custar muito mais (proporcionalmente).
      Uma tentativa de mitigar o risco para pequenos investidores é o FGC. Já pros maiores, eles que se virem (busquem mais informação e proteção, advogados, etc).
      Abs